Na última semana tem pipocado comentários e reportagens à respeito do discurso do escritor Luiz Ruffato na abertura da feira do livro de Frankfurt.
Ruffato fez uma análise histórica do nosso país de maneira crítica e sem hipocrisias, colocou os fatos passados nos seus devidos lugares, bem como suas consequências para nossos dias atuais. Fez as devidas ligações entre a forma de colonização e exploração do nosso país e o resultado escabroso que hoje podemos vislumbrar em termos de desigualdades e injustiças sociais.
Em um país essencialmente machista e preconceituoso, que de forma velada se apresenta como um país liberal e em que há espaço para todos, nos fez lembrar (para surpresas de alguns, até entender, quem sabe?) o porque de tanta violência contra as mulheres, abandono de crianças e idosos, tanto preconceito contra negros, gays e todo tipo de minoria.
Para mim, que tive a sorte de ter professores de história extremamente críticos e preocupados em contar os fatos históricos de forma clara e sem hipocrisias, que sempre tive pais e uma família antenada em não nos alienar com uma realidade que não existe e nem nos formar indiferentes a tanta desigualdade e que sempre me incomodei com a realidade a mim apresentada, não me causou nenhum espanto e sim revalidou todas as minhas impressões mais cruas a respeito do país em que vivo. Um país em que você tem a obrigação de recolher tributos e não ter a contraprestação, pois nossas estradas são verdadeiras piadas em termos de segurança e manutenção real e eficaz; nossos hospitais públicos se encontram em estado periclitante e sem infraestrutura ou recursos para atender de forma digna os que procuram por atendimento e remunerar seus funcionários e prestadores de serviços. Um país em que a maior parcela dos alunos das universidades federais são provenientes da rede privada, pois o ensino público não recebe a atenção e os investimentos realmente necessários para oferecer educação e estrutura de qualidade, bem como não prioriza e nem valoriza os profissionais da educação, verdadeiros pilares na formação de novos cidadãos. A visão e a certeza de um país em que a lei não é cumprida, o lixo não tem a devida destinação, o bem público é utilizado por poucos e de forma deturpada, os eleitos pelo povo não se comprometem com quem os elegeu, uma polícia mal remunerada e pouco equipada, infraestrutura de portos e aeroportos sempre aquém do necessário. Um país em que o jeitinho brasileiro, o carnaval e o futebol fazem a linha de frente em toda e qualquer representação internacional.
Somos o país do samba, do carnaval e do futebol. E quando alguém ousa "deturpar"essa visão, quebrar esses paradigmas, expor as feridas que nunca cicatrizaram mas que até hoje doem na maior parte da população, então vários se unem em coro para dizer que nada disso é tão real ou tão grave, que nosso país merece ser valorizado e exposto de forma mais leve, ainda mais em um evento em que o mundo todo irá sentir tal repercussão.
Pois para mim, não poderia ter sido de forma mais perfeita e eficaz. Em uma feira do livro, em um local em que se não todos, mas a grande maioria, como pode ser percebido, está em busca da verdade, do conhecimento, do dividir os saberes, as opiniões, as diversidades, o livre pensamento.
Porque os livros têm esse poder (assustador para alguns, devo dizer): a liberdade do pensar, do formar opinião, de divergir, de contrariar, de contrapor, de convencer, de conhecer. Porque sem isso ficamos vazios, alienados, sentenciados a crer somente no que nos dizem de forma fácil e sem críticas, com firulas de historinhas da carochinha, sem poder de ação ou reação.
A esperança de mudanças, de dias melhores também depende de cada um. Por isso escrevo. Minha esperança é que você, é você mesmo, se questione: e eu, o que eu penso sobre isso? O que eu tenho a ver com isso?? E ai, vai encarar? Ou vai só esperar a banda passar, no país do futebol, carnaval e mulher bonita? Porque todo mundo tem que saber: você também faz parte disso.
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